Por Hélio Ferreira Lima – tenente coronel do Exército Brasileiro (EB)
O compêndio de Técnicas, Táticas e Procedimentos (TTP) denominado AÇÕES TÁTICAS EM CONTATO COM AMEAÇAS DIVERSAS (ATCAD) abre amplo campo de debates acerca dos tipos de treinamentos de tiro destinados aos que desejam estar preparados para enfrentar situações de combate fortuito armado.
O senhor(a), que escolheu profissão nas áreas de Segurança e Defesa, já se perguntou o porquê de ter decidido LUTAR? A palavra pode não ser muito comum ou bem aceita na língua portuguesa para não profissionais de Segurança e Defesa e não praticantes de artes marciais, mas a realidade é que, quando o senhor(a) optou por essas áreas de atuação, ou seja, decidiu ter acesso a uma arma de fogo para defender-se ou proteger outras vidas e bens, você optou por LUTAR. Em outras palavras, decidiu tornar-se um(a) guerreiro(a) e essa escolha traz consigo inúmeras implicações, dentre elas a possibilidade de matar ou morrer. Já havia pensado nisso?
O senhor(a) já esteve diante de situações nas quais sua vida esteve em sério risco? Um acidente, um confronto, uma doença importante ou outro evento crítico já te colocou para pensar que poderia ter sido o fim? A pergunta é retórica e o objetivo dela é refletir sobre quais pensamentos vêm à mente na hora do risco extremo de morte. As pesquisas mostram que, geralmente, a família está em primeiro lugari. O que pode indicar que este, por si só, já seria motivo suficiente para lutar. Já se perguntou pelo que o senhor(a) estaria disposto a matar ou morrer?
Muitas vezes, o emprego estável, o glamour de uma carreira promissora ou a comodidade levam pessoas a determinadas escolhas sem a compreensão exata da amplitude da opção. Se o senhor(a) não havia pensado nisso ainda, sugiro que essa leitura possa contribuir para a ampliação do seu entendimento acerca da responsabilidade de, em qualquer ocasião, portar e operar uma arma de fogo.
Segundo Massad Ayoobii, aprender a lutar pode ser divertido e, muitas vezes, a diversão ou até mesmo a autoestima de se alcançar uma meta esportiva de luta ou de tiro pode se tornar uma jornada prazerosa e sem fim. O resultado dessa jornada pode ser um futuro campeão de karatê, de MMA, ou talvez um campeão de tiro desportivo. Porém, quando o assunto é combate fortuito armado, não necessariamente o resultado dessa jornada desportiva será o atirador(a) mais preparado(a).
Antes de mergulhar nos conhecimentos e na preparação para o combate fortuito armado, sugere-se que o operador(a) de arma de fogo e os instrutores de tiro de combate tenham noções básicas de memorização e gestão do conhecimento no cérebro. Na hora da verdade, o ponto de decisão sob estresse demandará respostas rápidas, combinando reações instintivas e intuitivas, as quais precisam estar corretamente armazenadas e organizadas na “prateleira” de conhecimentos de “saque rápido”, usando o jargão militar.
O professor de memorização Renato Alvesiii indica ferramentas extremamente eficientes nesse sentido. Dentre elas, a criação de mnemônicos e frases que façam sentido foram algumas das técnicas utilizadas para a elaboração do compêndio de TTP denominado ATCAD, permitindo que o operador(a) armazene e mantenha o conhecimento, transferindo informações da memória de trabalho para as memórias de médio e longo prazos, por meio de sinapses ativas pela constante confirmação da aprendizagem oferecida pela presente metodologia.
Se a sinapse é considerada essencial no processo de comunicação entre os neurônios, sua relação com a aprendizagem é direta. Além disso, os neurologistas afirmam que o aperfeiçoamento de uma habilidade se dá por meio de treinamento e memorização, implicando no fortalecimento das sinapses e no aumento das velocidades de processamento e execuçãoiv.
Tudo seria mais simples se as ameaças não atirassem de volta, não se movimentassem e não oferecessem estímulos que acionam o botão do medo no interior do cérebro do operador(a) de arma de fogo. Seria apenas uma questão de treinar os fundamentos de tiro e postar os impactos no Instagram.
No entanto, não se preocupe, pois o presente trabalho apresentará algumas das Ações Táticas em Contato com Ameaças Diversas (ATCAD), sob o enfoque dos conhecimentos, ferramentas e procedimentos julgados necessários para ajudar o(a) atirador(a) a enfrentar situações de combate armado por meio da preparação, evidenciando a importância da construção de uma mentalidade de combate com aplicabilidade e praticabilidade para os operadores na hora H.
CONHECIMENTOS ESSENCIAIS PARA APLICAÇÃO DAS ATCAD
A bagagem cognitiva de cada operador(a) será sua base para o oferecimento de respostas rápidas e eficientes sob o estresse do combate fortuito armado. Para aplicação das ATCAD, alguns conhecimentos são considerados essenciais, dentre os quais pode-se destacar: as reações corporais sob condições de estresse de combate; processamento de informações no cérebro sob estresse; os fundamentos do tiro de precisão e de combate; e algumas noções de balística aplicada.
O conhecimento acerca das reações corporais sob condições de estresse são fundamentais para a construção da base cognitiva do atirador de combate. Uma coisa é estar no estande, com relativo controle dos próximos acontecimentos, com a convicção de que, logo após o treino, beberá água, comerá, abraçará os entes queridos e descansará. Outra coisa é ouvir o estampido de um tiro, talvez sem saber exatamente de onde, bem como ouvir e sentir o reboco da parede na sua retaguarda quebrar e jogar areia nas suas costas. Nessa hora, o corpo entre no modo sobrevivência, alterando seu funcionamento regular e provocando danos nas suas habilidades mais preciosas para o momento em questão, e o pior, você nem foi avisado sobre isso nos seus treinamentos de tiro ao alvo.
Para o coronel Dave Grossman v, Ranger do Exército dos Estados Unidos da América (EUA), o medo de uma agressão humana interpessoal é universal. A violência real ou potencial de uma ameaça é recebida pelos órgãos sensoriais do corpo humano e chegam às amígdalas cerebrais, dando início a diversas reações fisiológicas e psicológicas. Esses efeitos depreciam as habilidades requeridas para o tiro, especialmente devido ao aumento dos batimentos cardíacos, perda de habilidades motoras finas nas extremidades, visão de túnel, exclusão auditiva e diversos outros distúrbios.
Como esgotar o assunto não é pretensão deste artigo, o brilhante trabalho de Siddle e Grossman (1997)vi elucida bem o impacto das alterações cardíacas e respiratórias, decorrentes do estresse de combate, sobre o desempenho de habilidade como o tiro.
Nessa inteligente correlação entre performance e batimentos cardíacos, os autores estabeleceram possíveis efeitos diretos dos diferentes níveis de frequência cardíaca, causados pelo estresse de combate (diferente de esforço físico), em diferentes valências da performance para o tiro, estabelecendo um código de cores e aprofundando ainda mais os conhecimentos nessa área. A pesquisa apontou como referência crítica a zona em torno dos 145 batimentos por minuto (bpm), a partir da qual a performance apresenta grande depreciação, mesmo em atiradores considerados excelentes em condições normais de pressão e temperatura (CNTP).

Dessa forma, é essencial que o operador(a) de armada de fogo, em busca constante de prontidão para o combate fortuito, conheça as reações corporais sob estresse de combate, seus impactos na performance e, o mais importante, pratique séries de treinamento didaticamente voltadas para o desenvolvimento de respostas adequadas para esta demanda.
Dando prosseguimento, sem qualquer pretensão de parecer ter a competência de um médico neurologista, este autor compartilhará algumas informações pesquisadas acerca de como o cérebro processa informações na hora do evento crítico do combate fortuito armado. O Instituto Canadense de Pesquisa em Saúde vii revela que as amígdalas cerebrais possuem papel extremamente relevante nas respostas comportamentais ao medo, estabelecendo diferentes caminhos de acesso para o fluxo de informações na hora da verdade.
De acordo com o instituto, quando os mais variados estímulos sensoriais do corpo humano indicam perigo, o tálamo estabelece duas rotas de transmissão, uma curta e uma longa. A curta é ligação direta com as amígdalas, de forma rápida e pouco precisa, justamente por não envolver cognição. Por outro lado, a rota longa acessa o córtex e posteriormente as amígdalas, oferecendo uma representação mais precisa do estímulo de perigo, comparando-o com o que há de informação no hipocampo, relacionando a cena com emoções e memórias.
Ao contrário do que muitos imaginam, tudo isso ocorre de forma rápida e com elevado grau de paralelismo. Em meio a essas conexões, o córtex pré-frontal amplia a informação recebida, conectando-a com o banco de dados existente nas memórias do indivíduo submetido ao medo e ao estresse, permitindo a escolha de uma linha de ação que melhor solucione a ameaça compreendidaviii.
Desse modo, é possível deduzir a relevância de se colocar o máximo de possibilidades prontas na “prateleira”, por meio do treinamento adequado (preparação), pois a velocidade de resposta estará diretamente relacionada à riqueza do banco de dados acessado na hora do estresse causado pelo combate fortuito, reduzindo a ansiedade e acelerando o processo decisório do operador(a) de arma de fogo.
É por esse mesmo motivo que parece contraproducente a tentativa de armazenamento de soluções “hollywoodianas”. Também é possível deduzir que pode ser perda de tempo deixar de utilizar técnicas de memorização que mantenham as sinapses cerebrais sempre bem ativas no cérebro dos operadores de arma de fogo em desenvolvimento, sob o risco de tornar o acesso à informação mais lento ou mesmo inoperante, por inexistência ou inadequação, na hora mais preciosa.
Enriquecendo ainda mais a base de conhecimentos, os fundamentos de tiro são alicerce para esta jornada de crescimento como operador(a) de arma de fogo. É comum encontrar atiradores experientes afirmando que os fundamentos do tiro de precisão nada têm a ver com os fundamentos do tiro de combate. Normalmente, entrar nessa polêmica não é algo muito produtivo. Portanto, o foco será apresentar uma adaptação da base fundamental do tiro de precisão para aplicação no tiro de combate, sob o acrônimo PPCC (Plataforma estável, Pontaria, Controle da respiração e Controle do gatilho).
Enquanto no tiro de precisão fala-se em “posição estável”, no tiro de combate é interessante pensar no termo plataforma estável, que consiste em uma boa empunhadura somada à posição de tiro. A dificuldade de se escolher sempre as mesmas posições durante um combate, diferentemente dos treinamentos no estande, onde o inimigo não atira de volta e quase sempre não se movimenta, sugere maior preocupação com a plataforma e não especificamente com detalhes de uma determinada posição, estimulando a flexibilidade e a adaptabilidade do atirador(a).
Ademais, no tiro de precisão, grande ênfase é dada ao movimento do vetor de força gerado pelo dedo indicador ao pressionar o gatilho precisamente para a retaguarda (acionamento do gatilho). Por outro lado, no tiro de combate, a consistência pode residir na firmeza da empunhadura altaix, distinguindo-se especialmente pela demanda de velocidade para a obtenção de bons volumes de tiro, transferindo a preocupação para a maior parte da mão e não para apenas o terço médio da falange de um único dedo.
Assim, a empunhadura alta, ao ocupar os espaços mais altos possíveis em relação ao beaver tail (saliência de encaixe da mão na parte alta do cabo da arma), coloca a pistola no “torno”. A maior firmeza facilita a ciclagem completa, reduz os efeitos do recuo da arma e permite maior velocidade na retomada para novos disparos.
Portanto, por dedução, talvez fosse interessante esquecer aquele ensinamento popular de segurar a arma como se fosse um pássaro. Fala-se em “ não apertar para não o matar e não afrouxar tanto para não fugir”, porém, combinar esse dito com os efeitos do estresse, que contrairão sua musculatura na hora da verdade, não parece muito factível. Portanto, empunhe alto e firme!
A pontaria é mais um fundamento que apresenta mudanças de abordagens entre o tiro de precisão e o tiro de combate. Se na precisão fala-se em fotografia de tiro, ao se buscar alinhamento do aparelho de pontaria (alça de mira e massa de mira) e o alvo, no tiro de combate seria interessante pensar em vídeo. Diferente dos treinamentos de precisão em alvos fixos, no tiro de combate os alvos atiram de volta e geralmente se movimentam, formando imagens dinâmicas e interativas, dificultando o tão consagrado “foco na massa de mira com alvo embaçado”.
Além disso, no vídeo da vida real, situações dinâmicas, como pessoas inocentes correndo, reféns, veículos passando e outras conjunturas podem criar a situação do “não tiro”. Nesse momento, o vídeo que está sendo assistido e vivido pelo atirador(a), aponta para a decisão de não atirar naquele determinado momento, indicando a falta de identificação positiva do alvo.
Os desafios da pontaria não param por aqui, pois certamente o leitor(a) deve estar se questionando: “ok, ele falou, falou, porém não me deu certeza se eu sempre olho para a massa ou se eu sempre olho para o alvo. Também não me disse se mantenho os dois olhos abertos ou apenas um dos olhos!!!”.
Esses questionamentos são bastante polêmicos e levam a debates calorosos no “mundo tático”, dentro e fora do meio militar. Existem instrutores famosos nesse ambiente que fariam saltos mortais carpados para trás só de ouvirem que alguém disse que se pode olhar para a massa durante o combate. No entanto, sinto em decepcioná-los, mas sim, pode-se olhar para a massa também.
O dinamismo do vídeo da vida real no combate fortuito poderá impor ameaças em distâncias curtas (estatisticamente com maior número de ocorrências), médias e longas, com variados tipos de exposição de suas silhuetas e com distintas condições de responsividade do defensor(a). Desse modo, o leitor mais atento já deve estar imaginando que, na verdade, tal dinâmica demandará equilíbrio entre precisão e velocidadex. E é nesse equilíbrio que reside a resposta para o dilema.
Se o atirador estiver em curta distância, apresentando reações instintivas e intuitivas, certamente não haverá tempo para olhar para a massa, exigindo treinamento intenso para tais condições. No entanto, se a ameaça se afastar, tornando-se visualmente menor, abrigando-se e oferecendo menos silhueta, ao mesmo tempo que o defensor se protege em um abrigo, é possível que algumas janelas de oportunidade se abram para a aplicação de tiros de precisão, dentro do alcance do armamento utilizado, levando-o a utilizar a massa de mira como foco principal de obtenção da pontaria.
Quanto aos dois olhos abertos, no tiro de combate, a demanda por visão periférica exige que se busque treinar dessa forma. Diante da impossibilidade de focar em mais de uma referência visual ao mesmo tempo, especialmente devido ao afastamento entre os olhos, o atirador precisa superar a tendência de foco do olho diretor, devendo estar apto a manter os dois olhos abertos, mesmo quando necessitar de maior precisão. O ideal é alinhar características corporais, como por exemplo atirar com a mão direita e ter o olho direito como diretor. No entanto, qualquer outra variação pode ser adaptada por meio do treinamento específico conduzido por especialistas.
No que diz respeito à área do alvo a ser buscada, sugere-se que os disparos sejam realizados a fim de impactar o centro da massa corporal da ameaça. Para além de, geralmente, ser a maior área do alvo, essa conduta é coerente com a reação corporal fisiológica que desencadeia o suprimento extra de sague para os cones, receptores visuais responsáveis pela definição de cores e detalhes, acarretando maior foco no centro do campo de visãoxisob estresse. Portanto, evite treinar “proezas táticas” na CNTP, pois na hora H do combate fortuito será bem diferente.
Desse modo, todas essas dificuldades e nuances da pontaria precisam ser pedagogicamente trabalhadas nos atiradores, por meio de séries programadas para explorar essa valência e utilizando alvos projetados para cada finalidade didática, objetivando desenvolver a cognição aplicada do aluno durante o tiro sob estresse, incrementando sua adaptabilidade.
Outro fundamento polêmico entre no tiro de precisão, em comparação com o tiro de combate, é o controle da respiração. Enquanto na precisão fala-se em uma pequena pausa na respiração suave, para reduzir os efeitos das mecânicas cardíaca e respiratória na oscilação do atirador, no tiro de combate a respiração estará ofegante e irregular, devido aos efeitos fisiológicos disparados a partir do acionamento das amígdalas cerebrais, seguida de liberação de epinefrina (adrenalina).
Neste caso, o vídeo da vida real não aguardará que o atirador encontre a condição respiratória ideal, obrigando-o a administrar outros fundamentos, compensando os efeitos da aceleração disparada pelo Sistema Nervoso Simpático e atirando o mais rápido possível dentro da sua capacidade. Embora existam técnicas respiratórias para ajudar o Sistema Nervoso Parassimpático a frear sua contraparte e reduzir os efeitos do estresse durante o enfrentamento, a estatística mostra que esta não foi preocupação prioritária da maioria daqueles que já estiveram em combate fortuito armado. Sendo assim, este fundamento precisará ser bastante treinado, de preferência aplicando treinamentos de ação dupla (force-on-force), onde o oponente atira de volta (airsoft ou munições de tinta) e se movimenta muito, expondo o aluno(a) às dificuldades reais impostas à performance no tiro sob estresse de combate, levando-o a crer que talvez ele nem pense na respiração como fator direto de desempenho neste caso.
Como último fundamento, a terminologia controle do gatilho poderia ser mais aceita como fundamento do tiro de combate, em lugar de acionamento do gatilho. Para o tiro de precisão, é possível que este fundamento se revista de grande importância, pois a colocação do terço médio da falange distal no gatilho e a perfeita condução do vetor de força na direção precisa, paralela ao ferrolho da arma, no sentido da retaguarda, possuem significativa influência nos desvios do resultado do tiro, podendo contribuir para a performance ou depreciá-la.
Por outro lado, ao se pensar nas dificuldades impostas pelo combate fortuito armado, é mais interessante compreender o controle desse gatilho como um tipo de gestão. As características técnicas do gatilho da maioria dos armamentos permitem que o fato de o pressionar não necessariamente signifique que haverá disparo imediato, pois existem dispositivos de segurança no gatilho de algumas armas e um espaço de movimento popularmente conhecido como descanso, antes do ponto a partir do qual realmente o disparo será comandado ou se encerrará (reset point), suscitando a ideia de gerenciamento de possibilidades para aplicação da decisão de atirar ou não.
Assim, o vídeo da vida real, com o qual o atirador está interagindo, determinará a gestão do gatilho, por meio da identificação positiva ou negativa do alvo, influenciando nas decisões de tiro e “não tiro”, de acordo com a demanda. Além disso, ao contrário da preocupação exclusiva com vetores direcionais de força, o combate fortuito exigirá cognição sob estresse, demandando velocidades de resposta que só estarão na “prateleira” de reações instintivas e intuitivas dos operadores de arma de fogo, caso eles tenham sido submetidos a um processo pedagogicamente planejado de preparação.
Outro aspecto relevante de conhecimentos é noção de balística aplicada. Aqueles que optaram por empregar uma arma de fogo para autodefesa e/ou defesa de terceiros devem ter noções básicas de balística. Dentre os vários tipos de balística, a terminal é aquela que estuda os efeitos dos projeteis no alvo, as lesões e o seu trajeto interior, oferecendo grande campo de aplicação para o atirador focado em combate fortuito.
A presente abordagem desse tema não visa tornar o operador(a) um PhD no assunto, mas sim dar-lhe subsídio para tomadas de decisão no combate fortuito, acelerando seu processo decisório e fortalecendo sua mentalidade de combate.
Muito se fala em “poder de parada”, sobretudo os vendedores de munição, porém esse termo é bastante questionável para operadores de pistola, principalmente devido à incoerência gerada pelo termo “incapacitação imediata”, que acompanha aquele conceito. Para o perito criminal da Polícia Civil de Minas Gerais João Boscoxii, a energia cinética é completa ou parcialmente transformada em outras formas de energia quando o projétil atinge um alvo. A energia potencial elástica é um dos principais produtos das transformações que ocorrem, especialmente nos tecidos, permitindo variados tipos e níveis de gravidade de lesões, impactando diretamente no potencial de incapacitação do alvo atingido.
Se as velocidades dos projeteis de pistolas estão abaixo da referência de 2000 ft (pés) por segundo (610 m/s) marcada na obra do doutor Vincent Di Maioxiii, logo, são consideradas munições de baixa velocidade. Sendo assim, é correto afirmar que a cavidade temporária de uma munição dessa natureza, consideradas as inúmeras variáveis, possui baixo potencial de provocar lesões capazes de causarem incapacitação imediata, desde que não atinja regiões de elevada sensibilidade e poder de incapacitação.
Assim, percebe-se que as variáveis velocidade e área atingida, para decepção de muitos, superam as místicas como utilização de ponta oca, double tap, calibres de armas curtas ditas com maior ou menor stopping power, munições encamisadas, dentre outras especificações exploradas, geralmente, em chamadas comerciais.
Diante desse breve comentário sobre balística, duas reflexões podem ser destacadas. A primeira diz respeito ao número de disparos para cessar a ameaça, sobre o qual, por dedução, sugere- se que sejam disparadas as quantidades necessárias até a observação da incapacitação da ameaça.
A segunda, não menos importante, diz respeito à mentalidade de combate do operador(a), que deve buscar manter-se combativo, mesmo ferido por disparo de arma curta, sempre que possível, pois geralmente, o tipo de ferimento não terá potencial para causar lesão de rápida incapacitação, a depender da área atingida. Muitas vezes, deixar de combater poderá matá-lo mais rápido que a lesão.
Para encerrar esse pequeno resumo de observações sobre balística terminal, vale a pena conhecer um pouco mais sobre a incapacitação de uma ameaça. O Ministério da Defesa (MD) considera ameaça qualquer conjunção de atores, entidades ou forças com intenção e capacidade de, explorando deficiências e vulnerabilidades, realizar ação hostilxiv. Com base nesse conceito, observa-se que o operador tem duas metas no combate fortuito diante de ameaças diversas: neutralizar intenção e/ou a capacidade da ameaça.
Nesse contexto, a incapacitação psicológica se caracteriza pela neutralização da intenção da ameaça, que pode se dar por diversas formas. A consciência de estar ferido e perdendo sangue; o som dos disparos do operador(a), The Big Bang Theory (teoria do Big Bang), citada pelo coronel Dave Grossmanxv; ou mesmo pela dissuasão causada pela postura do defensor, são algumas das maneiras de incapacitação psicológica, levantando a reflexão de que as maneiras supracitadas estão válidas para a ameaça e para o operador(a).
A incapacitação mecânica pode ser caracterizada pela neutralização da capacidade de utilização do instrumento da ação hostil por parte da ameaça. Essa incapacidade poderá advir de um tiro na mão; do desmonte mecânico de estruturas de sustentação do corpo, como o quadril; um tiro que danifique a arma do oponente; dentre outras, conforme representado com mais detalhes no artigo escrito por Igor Cavalcantexvi.
A incapacitação por lesão do Sistema Nervoso Central por atingimento de regiões específicas do cérebro, como o bulbo, ou da medula espinhal. Essa pode ser considerada a mais imediata das incapacitações, porém apresenta elevado grau de dificuldade por exigir grande precisão, valência prejudicada pelos efeitos do estresse do combate fortuito armado.
Para não alongar mais, porém sem pretensão de encerrar o assunto, a incapacitação fisiológica também merece destaque. Uma hemorragia que cause perda de cerca de 30% do sangue corporal pode causar incapacitação fisiológica por choque hipovolêmicoxvii. Considerando que, em média, o corpo humano possui cerca de 5 litros de sangue, deve-se evitar a perda de aproximadamente de 2 litros de sangue, reforçando a importância de se manter a combatividade mesmo ferido, sempre que possível, ao mesmo tempo que se deve buscar a aplicação de medidas para estancar a hemorragia, como os populares torniquetes.
Parcialmente, é possível afirmar que os conhecimentos essenciais para aplicação das ATCAD correlacionam técnicas individuais com autoconhecimento acerca das reações corporais que influenciam na performance, evidenciando a importância da construção de um banco de dados e de uma mentalidade de combate capazes de contribuir para que o operador(a) prospere sob o estresse inerente ao combate fortuito.
FERRAMENTAS TÁTICAS DE BASES PSICOMOTORAS APLICADAS ÀS ATCAD
A psicomotricidade reúne interações cognitivas, sensório-motoras e psíquicas na compreensão das capacidades expressadas a partir do movimento contextualizado do corpoxviii. As ferramentas de bases psicomotoras, elencadas por este autor, contextualizam tal afirmação por meio de requisitos exigidos do operador(a) no combate fortuito armado. Os procedimentos para solução de panes, as trocas de carregadores, a ocupação de cobertas e abrigos, bem como a compreensão do binômio fogo e movimento são alguns dos requisitos julgados de extrema importância.
Os procedimentos para solução de panes são essenciais no combate fortuito armado. Qualquer armamento pode apresentar pane ou algum tipo de mau funcionamento, especialmente as pistolas, independente da marca ou modelo. Não é objeto deste trabalho entrar no mérito dos motivos que levam a essa comprovação estatística sobre a performance de algumas pistolas, pois isso daria um novo artigo. No entanto, é sim objeto do presente texto alertar os operadores(as) de pistola que as soluções de panes precisam estar na sua “prateleira” o quanto antes.
O termo Tap, Rack and Bang, constante de manuais militares de importantes forças de Segurança e Defesa dos EUA, é traduzido para o português como bater, ciclar e atirar. Esse é um dos procedimentos mais eficientes para solução de boa parte das panes comuns em pistolas, permitindo grande velocidade na retomada do funcionamento do equipamento.
No entanto, em falhas como duplo carregamento, por exemplo, o procedimento supracitado não resolverá, obrigando o operador a rapidamente identificar e agir, aplicando a técnica Rip and Work. Popular nos EUA, suas ações consistem em retirar o carregador e ciclar, realimentando em seguida, carregando e ficando em condições de disparar se assim for o caso.
Vez por outra, alguns trancamentos do mecanismo poderão exigir que o operador segure a arma firme pelo ferrolho (pegada mão de macaco) e execute forte pancada, com o “V” da outra mão no cabo da arma, causando uma ciclagem mais agressiva e liberando o mecanismo. Independente da técnica empregada, o mais importante é o operador conhecer as técnicas e preparar suas respostas rápidas por meio do treinamento adequado, didaticamente programado para acontecer a qualquer momento, de surpresa, em meio a séries de tiro rápidas, em variados cenários de aplicação, desenvolvendo cognição e habilidade psicomotora do atirador(a).
As trocas de carregadores ou recargas também são requisitos psicomotores fundamentais no combate fortuito armado. A troca de emergência, na qual o atirador(a) precisa reagir ao fato de observar sua arma aberta por falta de munição, é mais recorrente nos treinamentos observados ao logo da experiência deste autor, especialmente devido à dificuldade de se controlar quantidades de munições em um combate real e até mesmo em treinamentos de force-on-force com munições de tinta.
Na troca tática, o atirador(a) decide realizar a troca do carregador em uso, sem que a munição tenha terminado, por um outro carregador pleno, o que lhe permitirá maior autonomia diante da entrada em novos ambientes ou após combate fortuito, evidenciando adaptabilidade.
Tática ou de emergência, ambos os procedimentos de trocas de carregadores necessitam estar adequadamente organizados na “caixa de ferramentas” dos operadores de arma de fogo. Independente da opção, durante a troca, o atirador(a) deverá manter o controle do ambiente, por meio da sua visão periférica, observando o procedimento de troca e monitorando os movimentos no seu entorno.
A ocupação de cobertas e abrigos é outra ferramenta psicomotora essencial dentro do ATCAD. Para além de entender que uma coberta pode gerar ocultação contra as vistas da ameaça e que os abrigos protegem o defensor contra as vistas e fogos, o atirador(a) deve saber adaptar esse entendimento à dinâmica acelerada das gestões de espaço e tempo geradas pelo combate fortuito.
Esse tipo de habilidade não se adquire lendo ou realizando treinamentos de tiro ao alvo, tampouco apenas olhando cinematograficamente para os lados (varredura ou escaneamento), confiando que esse simples procedimento mecânico será gatilho de memória suficiente para retirar o atirador(a) da visão de túnel ou da exclusão auditiva e fazê-lo abrigar-se para reavaliar a cena. Ao repetir a mecânica engessada de manter-se estático, apenas olhando para os lados após os disparos, muitos operadores podem memorizar procedimentos insuficientes.
Uma pesquisa realizada nos EUA revelou que o número de mortes de policiais por deficiências nos procedimentos de seleção e/ou ocupação de abrigos evidencia a relevância dessa ferramentaxix. Dentre as falhas mais destacadas, a má ocupação de abrigos e o hábito de permanecer estático em campo aberto, após contato ou troca de tiros, apresentaram maiores ocorrências.
Diante disso, instrutores e alunos devem ter responsabilidade e atenção para não propagarem falhas mortais em confrontos armados, simplesmente por colocarem procedimentos equivocados nas suas “caixas de ferramentas”. Complicações logísticas e de segurança do treinamento realístico, fatores que dificultam a montagem de linhas de tiro cheias de alunos por aumentarem os consumos de tempo, custos e meios, nunca devem contaminar os conteúdos programáticos, criando “verdades”, em função de economia de recursos (instituições de segurança e defesa) e maior obtenção de lucros (mercado do “mundo tático”). Cuidado com os “encantadores de CACs”!
A compreensão do binômio fogo e movimento também é uma demanda psicomotora fundamental na construção do compêndio de ATCAD. A experiência internacional permite constatar que essa tática é universal. A aplicação desse conceito consiste em fixar o inimigo pelo fogo (disparos das mais diversas armas de fogo) para que parte das tropas possam se movimentar (manobrar) em busca de posições mais vantajosas em relação ao inimigo, seja atacando, seja defendendo, acessando flancos, posições na retaguarda do oponente ou trocando espaço por tempo para retrair.
No entanto, adaptar essa teoria ao combate fortuito individual ou em pequenas equipes nem sempre é tão simples, especialmente depois da ativação dos efeitos fisiológicos e psicológicos do estresse de combate. O operador(a), isolado ou em equipe, nem sempre consegue ter a consciência situacional para perceber que o fogo de sua arma, sem desperdício de munição, é o principal recurso efetivo para dificultar que a ameaça tenha liberdade de ação contra ele.
O simples entendimento desse conceito ajuda a responder afirmações do tipo “não adianta combater de dentro do carro, portanto apenas desembarque”, ou “mova-se sempre na posição temple index” (posição de pronto vertical alta, na qual a arma fica próximo da cabeça). Basta realizar disparos através de para-brisas e alguns treinamentos com airsoft para rapidamente entender que é melhor estar em condições de fazer fogo para que haja movimento, na maioria dos ambientes, incluindo carros.
O recurso mais poderoso para inquietar e/ou provocar incapacitação psicológica no oponente é aplicar fogo, ou seja, disparar na direção dele. Lembre-se que, por meio dessa atitude, o senhor(a) provocará, no mínimo, imprecisão nos disparos realizados pela ameaça, criando melhores condições para movimentar-se para surpreendê-lo ou romper o contato.
Além disso, o treinamento de force-on-force rapidamente deixará claro que os movimentos precisam ser realmente rápidos e curtos, além de percorridos de ponto a ponto (abrigo). As demonstrações de tiros “em movimento”, realizadas quase em slow motion, para permitirem que o instrutor garanta a precisão dos seus impactos no vídeo que será publicado nas redes sociais, são facilmente desmascaradas com airsoft ou munição de tinta.
Portanto, instituições e instrutores responsáveis devem primar pela honestidade de propósito e pela reprodução do máximo de realismo para com seus alunos em preparação para o combate fortuito armado.
Desse modo, conclui-se parcialmente que as ferramentas de base psicomotora para aplicação das ATCAD consistem em táticas que, caso submetidas à preparação correta e direcionada, contribuirão diretamente para a capacidade do operador(a) apresentar soluções eficientes e velozes por ocasião dos efeitos decorrentes dos elevados níveis de estresse do combate fortuito armado, implicando na necessidade de medidas pedagógicas direcionadas para esse objetivo.
O PONTO DE DECISÃO E A MENTALIDADE DE COMBATE APLIDACA ÀS ATCAD
Os conhecimentos só terão eficiência, na hora da verdade, caso eles contribuam para a apresentação de soluções de problemas que agilizem o ponto de decisão do operador(a) no momento do combate fortuito. Nesse sentido, o ciclo OODA (Observe, Oriente-se, Decida e Aja), do coronel da Força Aérea Norte-americana John Boyd; e o modelo O3R (Observe, Reaja, Reconheça e Responda), do escritor e instrutor de tiro estadunidense Rob Pincus, são bastante explorados no mundo tático, acalorando discussões sem fim.
Com relação ao primeiro modelo, observa-se uma onda de bons instrutores de tiro tático “desconstruindo” a matriz do coronel Boyd. Este respeitado piloto de combate criou uma sequência lógica para dar agilidade ao processo decisório de operações militares de larga escala, empregando pensamento sistêmico, defendendo que quem fizesse esse ciclo girar mais rápido que seu oponente venceria campanhas militares.
Embora, posteriormente, as teorias desenvolvidas pelo coronel tenham sido adaptadas por pilotos de caça e outros tipos de combatentes, a matriz de comando e controle do coronel, visando agilidade nos processos decisórios mesmo em ambientes carentes de informações, não foi criada para o combate fortuito armado, tampouco surgiu da noite para o diaxx.
Desse modo, não parece fazer muito sentido “desconstruir” a aplicação do ciclo OODA para combate fortuito armado, visto que ele não se destinou especificamente para este fim. A maior prova disso é que, atualmente, o ciclo OODA é a matriz de comando e controle (C2) do Exército Brasileiroxxi. Sendo assim, “desconstruir o ciclo OODA” para o combate fortuito armado é como criticar uma receita de pudim por sua imprecisão na confecção de um bolo.
A respeito do segundo modelo (O3R), o próprio Rob Pincusxxii, seu criador, defende que a Observação, não necessariamente referindo-se apenas ao sentido visual, ocorrerá e desencadeará o sistema de Reações instintivas. Após isso, a experiência e o banco de dados individual permitirá o Reconhecimento, a interpretação do que está ocorrendo e o que precisa ser feito, para somente neste ponto oferecer soluções, ou seja, Respostas para evento crítico.
Observando os dois modelos, independente de concordar ou não com suas aplicações no combate fortuito, é possível perceber ambos se concentram em verbos de ação macro que fornecem ideias de sequências gerais do “o que fazer”, revelando-se como modelos de diretrizes norteadoras que foram inteligentemente elaborados por seus autores.
Entretanto, no combate fortuito, para além do “o que fazer?”, o operador(a) de arma de fogo carecerá de uma demanda grande acerca do “como fazer?”. O estampido de um disparo ou o reboco quebrando na parede, em decorrência de um tiro na sua direção, acionarão os já mencionados botões do pânico e demandarão velocidade de processamento das precárias informações, sugerindo a necessidade de uma opção híbrida capaz de navegar “o que e como fazer”.
Diante disso, este autor resolveu combinar experiências vividas ao longo de anos como integrante de tropas de Operações Especiais e coordenador de Segurança Presidencial para idealizar um compêndio de TTP que combina mnemônicos e outras técnicas de memorização para organizar a “prateleira” de qualquer operador(a) de arma de fogo em situações de combate fortuito. Esse compêndio recebeu o nome de Ações Táticas em Contato com Ameaças Diversas (ATCAD) e compila ensinamentos de ilustres autores e instrutores, somados a ideias próprias que serão compartilhadas com operadores legais de armas de fogo.
A ilustração abaixo ajudará a visualizar a organização das ideias contidas no compêndio de TTP denominado ATCAD:

Inicialmente, por meio da técnica de criação de frases/histórias com sentido para memorização, algumas adaptações dos ensinamentos do doutor Gavin de Beckerxxiii foram agrupados da seguinte forma: A Mente Tem Espaço Suspeito. Nesta frase, a letra “A” refere-se ao Agora, único momento no qual algo pode realmente acontecer; Mente refere-se à Mentalidade de Combate; “Tem” remete-se ao Tempo; “Espaço” refere-se a Espaço físico; e a palavra “Suspeito” remete-se à técnica de doutor Becker de criar processos mentais para monitoramento de Suspeitos que existem por toda parte.
Antes mesmo de qualquer explicação, é possível perceber que esse primeiro conjunto de ideias que formam as ATCAD busca manter o operador(a) mentalmente conectado com o momento presente, “virando a chave” de sua mentalidade de combate. Presente (física e mentalmente), o operador(a) poderá escanear o ambiente, relacionando tempo e espaço para formatar e/ou adaptar-se ao cenário diante dos possíveis suspeitos, caracterizando um processo cognitivo de conteúdo preventivo e/ou reativo.
É fundamental levar em conta que as ameaças necessitam, dentre outros fatores, de Acesso, Cobertura (dissimulação) e Escape (ACE). Além disso, após abandonar sua cobertura (disfarce), o perpetrador revelará o momento do comprometimento. Por sua vez, o defensor, vítima ou o operador(a) em questão, ao perceber a ameaça, viverá o seu momento do reconhecimentoxxiv, ressaltando a importância do fator tempo.
Relacionar esses conceitos com tempo e espaço é tarefa obrigatória para qualquer operador(a), pois quanto menor for o intervalo de tempo entre o momento do comprometimento (ameaça) e o momento do reconhecimento (defensor), maior será a probabilidade de sucesso do defensor. O desejável é que o reconhecimento do defensor ocorra antes mesmo da ameaça revelar o seu comprometimento, gerando medidas ativas de bloqueio de acesso, de rotas de fuga e/ou dificultando dissimulações, evitando o combate, conforme ensina Sun Tzu em A Arte da Guerra.
Entender que os suspeitos estão por toda parte é um gatilho que deve manter o indivíduo presente no agora. Acionando esse gatilho de memória e criando possíveis linhas de ação para as ameaças, seja planejando ou já em campo por ocasião da execução da missão (ou evento), o operador(a) deve constantemente relacionar possíveis suspeitos ou personagens do cenário com possibilidades de revelação de ameaças (intenção e capacidade), correlacionando com espaço e tempo e agindo.
Observando principalmente olhos, mãos e comportamentos, o operador(a) deve correlacionar aquelas possibilidades com espaço e tempo na cena real e transformar esse procedimento em ações preventivas. Ao mudar uma posição de espera, um lugar no restaurante, alterar a colocação de uma grade de segurança ou mesmo ao decidir retirar-se do local com sua família, como ação decorrente de uma suspeita originada no processo mental supracitado, o operador(a) vence a fase natural da negação da suspeita observada e transforma teoria em prática. O tempo não perdoa e talvez o senhor(a) não tenha outra chance, portanto, aja!
O próximo conjunto de ideias está no mnemônico, conhecido por C 360 A 2 31. O “C” refere-se à comunicação em sentido amplo; o “360” diz respeito à segurança circular; o “A” remete- se à adaptabilidade, característica a ser desenvolvida por todo operador(a) de arma de fogo; o “2” diz respeito ao binômio fogo e movimento, tática por meio da qual o fogo (disparo ou a prontidão para disparar – cobertura) das armas garante o movimento do operador(a); e o “3” refere-se às três zonas de segurança do ambiente, a imediata, a próxima e a afastada. Assim, gatilhos cognitivos com ideias de ações, preventivas e reativas, oferecem efetividade prática para os operadores(as).
Comunicar-se não é apenas utilizar-se de um equipamento rádio ou outro meio eletrônico. No momento que o operador(a), após abrigado, em um combate fortuito armado na rua, procura mostrar sua identificação (distintivo ou algo que o valha) para que as pessoas na cena vejam que ele é “do bem”, pode-se evitar “fratricídio”. Lembrem-se que outro cidadão de bem, profissional de segurança e defesa ou não, pode estar armado no local e interpretar a cena de maneira a confundir aquele operador(a) com uma possível ameaça armada.
Em defesa residencial, comunicar-se com a família, mandando-os para o ambiente mais seguro da casa e chamar a polícia são outros exemplos de aplicação do “C”. A flexibilidade de raciocínio do operador(a) permitirá que ele compreenda a abrangência e a importância de comunicar- se, aprimorando sua capacidade de comando e controle no evento crítico.
O “A” de adaptabilidade é outro ponto crucial do mnemônico em questão. Adaptar-se é escolher a melhor forma de comunicação, equilibrando com a proteção e ocultação em face da ameaça. Adaptação é compreender a cena, escolher o melhor espaço, distinguir e selecionar cobertas e abrigos, identificar posições vantajosas ou decidir por uma troca tática de carregadores, por exemplo.
Além disso, adaptação é optar pelas táticas mais adequadas para quando está operando só ou em equipe, em autodefesa ou na proteção de terceiros. Sendo assim, essa talvez seja mais rica janela de oportunidades para a preparação adequada de um operador(a), permitindo que o instrutor desenvolva e explore ao máximo essa valência no discente.
O “2”, já explicado anteriormente, pode ser resumido na seguinte orientação: o fogo deve garantir o movimento orientado, de ponto a ponto (abrigo) e em constante disputa por ângulos e espaços vantajosos.
O “3” é outro gatilho cognitivo do mnemônico que exige preparação do operador(a). Oferecendo respostas coerentes com as reações corporais de visão de túnel, o operador(a) deve ampliar a visão do combate imediato, em um cômodo, por exemplo, e expandi-la para o ambiente aproximado, que poderia ser o quintal da casa. Posteriormente, deve visualizar o ambiente afastado, como as rotas de fuga, caso seja necessário evadir-se do local.
Esse gatilho contribui para que a alterações corporais provocadas pela adrenalina não provoquem decisões de movimentos desorientados, evitando, por exemplo, que o operador(a), após vencer o combate imediato, venha a morrer em seguida, surpreendido por outra ameaça no ambiente aproximado ou pouco mais a frente, no ambiente afastado. Saia do transe e retome a consciência situacional!
Como último conjunto de ideias para as ATCAD, estão as ações mais reativas e instintivas de todo o compêndio: o EPPA. O “E” refere-se à ação de “espetar” (apresentação da arma) a ameaça com o armamento; o primeiro “P” refere-se à ação de pressionar o gatilho, como ideia ampla de gestão do gatilho e não simplesmente acioná-lo, permitindo decisões oportunas de tiro e não tiro; o segundo “P” remete-se à proteção, a ação de abrigar-se, sair da zona de matar ou do fator “X”xxv; e por fim o “A” refere-se à ação de avaliar, ou seja, sair da visão de túnel, da exclusão auditiva e realmente buscar entender melhor a cena do combate fortuito. Assim, esse conjunto oferece gatilhos cognitivos com elevado efeito prático para o operador(a) de arma de fogo.
A aplicação do EPPA não exclui a adaptabilidade do operador(a) e isso precisa ser pedagogicamente submetido a uma correta preparação (treinamento). Nada impede do operador(a) observar determinado movimento de uma ameaça e proteger-se primeiro, sem a necessidade de espetar o armamento ou pressionar o gatilho. Ou seja, o mnemônico não impõe uma ordem obrigatória.
1 Para combate fortuito individual C360A23. Para segurança de altas personalidades C360A223. O 2 adicionado neste último refere-se ao procedimento de “02 (dois) no desconhecido”, que evita que a autoridade adentre em qualquer ambiente desconhecido sem que pelo menos dois seguranças tenham adentrado antes ou mesmo estejam no seu interior.
O EPPA está nessa sequência simplesmente por atender a reações instintivas e intuitivas do corpo humano sob estresse de combate. Pesquisas compiladas por Massad Ayoob revelam que, involuntariamente, o corpo vai contrair a musculatura sob estresse de combate, assim como diminuirá a silhueta e deslocará o centro de gravidade em busca do equilíbrio, em típica posição de luta herdada da evolução da espéciexxvi, com tendência a posicionar algum membro, geralmente os braços, com um anteparo entre a ameaça e o Sistema Nervoso Central, principal área de proteção gravada no subconsciente.
Além disso, a apresentação da arma reproduzindo o ato de espetar e não o de levantar a arma contribui para a obtenção de melhores resultados no tiro de pistola, seja na precisão, seja velocidade ou no aspecto da segurança. Sendo assim, no tiro de combate, todo iniciante deveria ter escutado essa frase: espeta o alvo, aluno! Este autor teve a sorte de ouvi-la, já nos idos de 2007, do seu comandante de Destacamento Operacional de Forças Especiais (DOFEsp), o então capitão de cavalaria Noveli, a quem fica registrado o agradecimento.
Dessa forma, o ato de espetar, adotando uma plataforma estável que diminua a silhueta e estenda os braços de forma a utilizá-los como anteparo em conjunto com a arma, não luta contra as reações que o corpo humano quer executar naturalmente por questão de sobrevivência. Assim, esse procedimento revela maior coerência com a realidade de um combate fortuito, bem como possui melhor performance técnica.
Dando sequência, a ação de pressionar o gatilho está antes de proteger-se pois é provado que o ato de simplesmente tentar fugir, após engajado por uma ameaça, possui baixa estatística de sucesso se comparado ao ato de oferecer algum dilema ao perpetrador, como por exemplo, atirar em sua direçãoxxvii. Sendo assim, sempre que possível, combine as ações de oferecer dilema e proteger-se (PP).
Após conhecer as ATCAD, é possível identificar a necessidade do equilíbrio entre conhecimento e preparação. Dessa maneira, por meio de uma adaptação do modelo criado pelo croata Mihaly Csikszentmihalyi, que relacionou desafios e habilidadesxxviii, este autor estabeleceu uma relação entre conhecimento e preparação, encontrando efeitos semelhantes e reveladores.
Os anos de treinamentos e missões de aplicação do tema em tela em situações de estresse ajudam a comprovar a interrelação entre conhecimento e preparação. Além disso, experiências no ensino de diferentes tipos de disciplinas ligadas ao estresse, tais como tiro, lutas, paraquedismo e mergulho com equipamento de circuito fechado, compelem este autor a acreditar que operadores com muito conhecimento e preparação deficiente apresentam boa desenvoltura teórica, sem que a performance de execução se mantenha em níveis similares de desempenho, geralmente por ansiedade. Por outro lado, operadores submetidos sempre aos mesmos adestramentos, sem coerente aprofundamento de novos conhecimentos, tendem à arrogância e ao tédio. Consequentemente, esses operadores são expostos ao cometimento de falhas por essas razões. Logo, conhecimento e preparação em alto desempenho parecem realmente dependerem de caminhar lado a lado.
A relação supramencionada está ilustrada na figura abaixo:
Os extremos em qualquer dos eixos contribuem para alertar docentes e discentes para a importância de procurar sempre distinguir o “fazer certo as coisas” do “fazer as coisas certas” nos treinamentos de Tiro e Segurança.
Portanto, conclui-se, parcialmente, que os aprimoramentos do ponto de decisão sob estresse e da mentalidade de combate se darão pela aquisição de conhecimentos e pela preparação de ferramentas psicomotoras e procedimentos estrategicamente armazenados no cérebro, por meio de gatilhos de memória que permitirão a ativação rápida de sinapses neurais, potencializando a capacidade de apresentação de respostas eficientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto no presente trabalho, é possível inferir que o Ponto de Decisão sob Estresse de Combate poderá ser mais ou menos oportuno (tempo) e eficaz (preciso) à medida que o operador estiver preparado (corretamente treinado) para acessar suas Ações Táticas em Contato com Ameaças Diversas (ATCAD).
Em síntese, pode-se concluir que os conhecimentos, ferramentas e procedimentos necessários para elevar as chances de sucesso no combate fortuito exigem medidas de preparação embasadas na simplicidade, na especificidade do treinamento e na exploração de sequências pedagógicas que insiram, gradativamente, os gatilhos de forma lógica e realística no cérebro do operador(a).
A mentalidade de combate e a agilidade do ponto de decisão de cada operador(a) será consequência da constante busca por conhecimento e da aplicação de medidas operacionais e logísticas, por parte de instrutores especializados e experientes nesse tipo de conteúdo, capazes de transformar esses conhecimentos em pacotes de respostas treinadas.
Conclui-se que programas de treinamento que equilibrem conhecimento e preparação devem ser priorizados, evitando o surgimento do estereótipo do “teórico da guerra”, ou do “campeão mundial de Super Trunfo”, como referência ao jogo da empresa Grow, no qual crianças memorizavam conhecimentos técnicos acerca de diferentes temas, inclusive sobre equipamentos e armas militares.
Por outro lado, também deve ser evitado que os operadores de arma de fogo sejam submetidos a adestramentos desacompanhados de ganhos significativos de conhecimentos pertinentes, visto que o desinteresse, a arrogância e o tédio também provocam ineficiência.
Nesse sentido, verifica-se que o presente tema precisa ser estudado por entidades e instrutores das áreas de Segurança e Defesa, no sentido de direcionar a preparação dos discentes para o enfrentamento de situações extremas de vida ou morte. Os planejadores dessas áreas, os quais movem peças sobre uma mesa com miniaturas e cartas geográficas, têm por obrigação certificarem-se que cada um dos homens e mulheres que constituem as supracitadas miniaturas na realidade possuem os conhecimentos necessários e estão preparados para prosperarem em situações de combate fortuito armado diante de ameaças diversas.
Por fim, o compêndio de TTP denominado ATCAD apresenta-se como uma pequena contribuição, porém realista, dentre as diversas realizadas por brilhantes profissionais de Segurança, Defesa e Tiro. Esse artigo é compartilhado com honestidade de propósito, baseado na crença de que conhecimento e preparação, desenvolvidos de forma corretamente programada e equilibrada, podem salvar as vidas, permitindo que cidadãos de bem, civis ou militares, aprimorem suas mentalidades de combate e prosperem diante das ameaças caso sejam submetidos ao combate fortuito armado.
Sobre o autor
O tenente coronel do Exército Brasileiro (EB), Hélio Ferreira Lima, é credenciado nos idiomas inglês, francês e espanhol. Atualmente, está na 6ª Divisão de Exército, em Porto Alegre-RS. O autor foi o Coordenador da Capacitação de Tiro da Secretaria de Segurança Presidencial do Gabinete de Segurança Institucional GSI-PR, além de instrutor da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME) e no Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOpEsp), onde foi instrutor do Curso de Ações de Comandos, sendo possuidor dos cursos de Forças Especiais no BRASIL e na Escola de Forças Especiais da COLÔMBIA, além de ser Guerreiro de Selva pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS). Ademais, o autor é Bacharel em Ciências Militares, pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN); tem Mestrado em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO); é pós-graduado com MBA Executivo em Segurança Privada pela Faculdade Unyleya (Brasília-DF); é ainda Mestre de Salto Livre, Instrutor AFF de paraquedismo e Mergulhador de Combate; além de ter sido Adjunto de Operações na UNIFIL (Força Interina das Nações Unidas no LÍBANO). Na área de Segurança, foi Instrutor e Coordenador do Curso de Segurança Presidencial do GSI-PR, Instrutor de Armamento e Tiro no GSI-PR; frequentou o Curso de Segurança de Altas Personalidades (FRANÇA); foi Subcomandante do Destacamento Diamante (Segurança do corpo diplomático brasileiro na República Democrática do Congo – RDC); Comandou o Centro Integrado de Operações da Secretaria de Segurança Presidencial (SPR) do GSI-PR; e representou o GSI-PR no Centro Integrado de Operações do G20 (TURQUIA).
REFERÊNCIAS
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ii Ibid.
iii ALVES, Renato, Não Pergunte se ele estudou, [s.l.]: Humano Editora, 2013.
iv GODOY, Darlene, Sobre Sinapses e Aprendizagem, 2014, apud, Kandel, E. (2008). Principles of Neural Science. NY: McGraw Hill.
v GROSSMAN, Dave, On Combat: The psychology and physiology of deadly conflict war and peace., [s.l.]: Open Road Integrated Media, Inc. Grossman, Dave; Christensen, Loren W.. On Combat: The Psychology and Physiology of Deadly Conflict in War and Peace (p. 648). Open Road Media. Edição do Kindle., 2004.
vi Ibid.
vii THE BRAIN FROM TOP TO BOTTOM, disponível em: <https://thebrain.mcgill.ca/flash/a/a_04/a_04_cr/a_04_cr_ peu/a_04_cr_peu.html>.acesso em: 20 nov. 2022.
viii THE BRAIN FROM TOP TO BOTTOM, disponível em: <https://thebrain.mcgill.ca/flash/i/i_04/i_04_cr/i_04_cr_ peu/i_04_cr_peu.html>. acesso em: 22 nov. 2022.
ix SAJNOG, Chris, How to Shoot Like a Navy Seal, 10987654321. ed. [s.l.: s.n., s.d.].
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xi Ibid.
xii BOSCO, por João, Calibres de alta energia ou calibres de alta velocidade? Parte III, InfoArmas | O Maior portal sobre armas da América Latina, disponível em: <https://infoarmas.com.br/calibres-de-alta-energia-ou-calibres-de-alta- velocidade-parte-iii/>. acesso em: 13 nov. 2022.
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xvi CAVALCANTE, por Igor, Por que atiramos em alguém?, InfoArmas | O Maior portal sobre armas da América Latina, disponível em: <https://infoarmas.com.br/por-que-atiramos-em-alguem/>. acesso em: 26 out. 2022.
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xviii O que é Psicomotricidade, Associação Brasileira de Psicomotricidade, disponível em:
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xix AYOOB, GunDigest´s Concealed Carry Combat Shooting Mindset.
xx Beaver, Kevin, Ultimate_Guide_to_Cybersecurity_Incident_Response_Updated , April 2021.pdf.
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xxii Trained Response for Self-Defense, Personal Defense Network, disponível em:
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xxiv Ibid.
xxv EMERSON, Clint, ESCAPE DE WOLF – A SEAL Operative´s Guide To Situational Awareness, Threat Identification, And Getting Off the X., [s.l.]: LIONCREST, 2022.
xxvi AYOOB, GunDigest´s Concealed Carry Combat Shooting Mindset.
xxvii BECKER, Just Two Seconds.
xxviii Bryan Tanner’s review of Finding Flow, disponível em: <https://www.goodreads.com/review/show/2339558906>. acesso em: 29 out. 2022.
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