Mitos no universo dos CAC’s

Nos últimos anos, o universo dos CAC’s tem se expandido no país. A cada dia o número de adeptos destas categorias tem se multiplicado. De acordo com dados do Exército Brasileiro (EB), em junho de 2022, haviam 673.127 Certificados de Registros (CR) ativos no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA). Em paralelo a esta ascensão, tem crescido também os mitos criados a respeito dos direitos destes cidadãos neste meio. Questões como se o CAC tem porte de arma, se existe trajeto e horário definidos na legislação para portar uma arma, até o clube de tiro ou local de competição serão desmitificadas nesta matéria com o Promotor Criminal do Ministério Público de Minas Gerais, instrutor de armamento e tiro e atirador esportivo, Flávio Cesar de Almeida Santos, que expõe suas razões. Confira a entrevista com o atirador abaixo: O CAC tem porte de arma? VERDADE , mas com ressalva ! O CAC tem sim PORTE DE ARMA, cuja denominação a lei especificou em “PORTE DE TRÂNSITO DE ARMA DE FOGO ( art. 9º da Lei 10.826 \ 03 )! Mas há uma limitação especificada no próprio conceito, ou seja, é um porte vinculado ao trânsito do CAC, já que somente pode exercê-lo no trajeto entre o local de guarda autorizado e os de treinamento, instrução, competição, manutenção, exposição, caça ou abate, conforme art. 5°, parágrafo 3° do Decreto 9846/2019. Aqueles que dizem que CAC não teria PORTE, referem-se àquele previsto no art. 6 o ou mesmo do art. 10° Da Lei 10.826\06 e, neste aspecto, é verdade, não é esse porte a que se refere o porte de trânsito, mas o do art. 9° da citada lei. Todos esses “portes de armas” estão inseridos no Capítulo III – DO PORTE – da referida Lei. Não obstante ser regra a “proibição” do porte de arma de fogo, a própria lei estabelece exceções, que se localizam autorizadas, também, 1) em legislação própria; 2) nos incisos do referido artigo e parágrafo 5° - caçador para subsistência; 3) no art. 9° (segurança de cidadãos estrangeiros e porte de trânsito ) e 4) no art. 10º (porte de arma ao civil). Assim, não se confundem os tipos de porte, que possuem requisitos e fundamentos de concessão diversos. Por exemplo, enquanto o PORTE DE ARMA ao civil com base no art. 10 é de competência da PF e dependerá de uma demonstração de sua efetiva necessidade , seja por exercício de atividade profissional de risco ou ameaça à sua integridade física, o PORTE DE TRÂNSITO é o porte concedido aos CACs de forma genérica pelo EB, em razão do deslocar para a prática do esporte/caça/colecionismo, permitindo-se sua proteção durante este momento. São, assim, idênticos materialmente , mas divergentes quanto ao momento e liberdade de seu exercício. O exemplo mais evidente dessa diferença é aquele em que um cidadão, com porte de arma do art. 10°, concedido em virtude da demonstração de situação pessoal específica, poder ir e voltar de uma festa de aniversário devidamente armado, enquanto o CAC não poderá fazê-lo, pois em desconformidade com as regras do “porte de trânsito”, que somente autoriza, mesmo que em horário noturno, o porte de arma para ir ou voltar de treinamento, instrução, competição, etc. Existe itinerário específico e horário definido na lei/decretos para o CAC realizar o porte de trânsito? MITO . Embora um número incontável de policiais desinformados que insistem em “criar” requisitos ou limites em que a norma não criou, a própria regra faz tal esclarecimento, como se vê no art.5°, parágrafo 6° do Decreto 9846\19, ao dizer que “... considera-se trajeto qualquer itinerário realizado entre o local de guarda autorizado e os de treinamento, instrução, competição, manutenção, exposição, caça ou abate, independentemente do horário , assegurado o direito de retorno ao local de guarda do acervo” . [caption id="attachment_7204" align="alignleft" width="200"] Flávio Cesar ministrando o curso, Legítima Defesa com arma de fogo em um clube de tiro em Ipatinga (MG).[/caption] Ou seja, o porte de trânsito deve guardar vinculação com a finalidade, que é a sua proteção durante o deslocamento para a atividade do CAC, assegurado o retorno! Não há, na norma, limite de itinerário como, v.g. , o mais perto, o mais rápido, ou o mais cômodo, muito menos horário definido para tais atividades. Isso não quer dizer que o porte de trânsito seja um “coringa” de porte do art. 10º da Lei 10.826\03, já que, como dito, deve guardar vínculo com sua finalidade , ou seja, a proteção do CAC durante o necessário trânsito para a atividade, cuja demonstração lhe será exigida! O CAC não pode treinar e/ou competir em um clube de tiro que não é filiado? MITO . O CAC pode sim treinar ou competir em clube no qual não é filiado. Não há qualquer problema nisso. Aliás, isso é tão comum como a troca de estojos numa competição de tiro. Configura evidente ignorância ou mesmo má-fé a exigência de requisito que não se encontra na norma da atividade, passível o servidor de reciclagem ou mesmo punição, evitando-se nova atuação que não guarda obediência aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ( art. 37 da Constituição Federal ). Ressalto, contudo, mais uma vez, que isso não quer dizer que haja autorização para que o CAC exerça o porte da arma desvinculado da finalidade que a própria norma estabeleceu. Deverá demonstrar que se encontra no exercício regular de um direito, mesmo em um local de treino que não esteja vinculado, sob pena de configurar infração administrativa (art. 111, X do Decreto 10.030\19) ou mesmo crime, para aqueles que entendem preencher o conteúdo do tipo penal. Criança de 13 anos não pode praticar tiro esportivo? MITO . Esclareça-se, inicialmente, que menor de 13 anos já é ADOLESCENTE (12 anos completos aos 18 anos incompletos), sendo CRIANÇA a pessoa até 12 anos incompletos ( art. 2° da Lei 8069/90 ). Não há nenhuma limitação objetiva ao esporte, ao contrário, há um incentivo da própria CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao prever o esporte como direito social que deve ser não só assegurado, mas incentivado e promovido, inclusive ao menor, que goza dos mesmos e de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (art. 1º, III c/c art. 3° IV c/c art. 5° 217 c/c art. 227, ambos da CR/88 e art. 3° do ECA) . [caption id="attachment_7203" align="alignleft" width="225"] Camila Costa de Almeida Santos é a filha do Promotor, Flávio. Ela tem 14 anos de idade e possui autorização judicial para a prática do tiro esportivo.[/caption] Logo, menores de 18 anos podem sim praticar o tiro esportivo, sendo que, em qualquer caso, DEVERÁ obter autorização judicial para tal. Sim, pois ao se definir prioridade absoluta às questões menoristas, a autorização de certas atividades devem passar pela análise de cada caso, oportunizando compatibilizar o exercício do direito à proteção do menor. É por isso que o Decreto 5.123/2004 previu, no art. 30, parágrafo 3°, que “ a prática do tiro esportivo por menores de 18 anos deverá ser autorizada judicialmente e deve restringir-se aos locais autorizados pelo Comando do Exército, utilizando arma da agremiação ou do responsável, quando por este acompanhado” . Aliás, esse foi o único ponto, na minha visão, que a decisão da Ministra Rosa Weber acertou, já que fez retornar esse fluxo sem, contudo, impedir a prática do esporte pelos menores. Conheço, inclusive, caso de criança – 10 anos – que, tal como a minha – 14 anos, pratica o esporte, devidamente autorizado pelo Juiz da Infância. Esse é o caminho certo que deve ser seguido para aqueles que desejam fazer ingressar seus filhos menores no esporte! É o perfeito ajuste entre o exercício de um esporte maravilhoso com a proteção daqueles que nos são mais caros: nossos filhos!