O impacto no manejo de javali após a proibição de armas de calibres restritos

Após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir a aquisição de armas de fogo de calibres restritos, em julgamento realizado no plenário virtual da Corte no dia 20 de setembro de 2022, algumas perguntas ficaram sem respostas, como por exemplo: qual o impacto que o comércio de armas no Brasil terá após esta proibição? Como realizar o manejo efetivo do javali em um país continental como o nosso sem a utilização de armas de calibres restritos? Na ausência destas armas de calibres restritos, quais poderão ser utilizadas com efetividade na caça deste animal? Visando responder estas e outras perguntas, conversamos com o atirador, caçador e presidente da Associação Nacional de Caçadores, Rafael Augusto Salerno. Rafael nasceu em São Paulo (capital), tem 41 anos de idade, é casado, possui um filho e atualmente mora na cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais. Confira a entrevista que realizamos com o manejador: Quando você se tornou caçador, Rafael Salerno? Acredito que caçador não se torna, se nasce caçador. Como aquele filhote de gato brincando com os primeiros bichinhos no quintal, a maioria das crianças, assim como eu, certamente interagem num comportamento de caça desde muito cedo. Hoje é tabu falar sobre isso, mas um dos meus primeiros brinquedos foi um estilingue e com ele fiz minhas primeiras “caçadas”. Em minha família havia já um ensinamento e tradição de abater os pardais (Passer domesticus), que por serem uma espécie exótica invasora afetam as nossas espécies silvestres, então, posso dizer que na minha família o “controle de fauna invasora” vem de berço! Você era o proprietário do Movimento Social “Aqui Tem Javali” e recentemente, transformou este movimento na Associação Nacional de Caçadores. Como foi este processo? Há mais de dez anos, por volta de 2008, começamos a ver notícias de javalis em vida livre no Brasil “Tropical”, isto é, de SP para cima. Como agrônomo e tendo experiência em Minas Gerais e no Mato Grosso, foi fácil concluir que em meio a um território tão abundante e sob vigência de leis que tanto dificultavam o acesso às armas, a espécie ficaria totalmente fora de controle. Então, buscamos junto às autoridades a regulamentação desse controle a fim de provar essa expansão por meio de monitoramento, com auxílio de diversos voluntários técnicos, produtores e pesquisadores, que na época ainda do Orkut, conseguíamos nos conectar em grupos, nascendo assim, a Rede “Aqui Tem Javali” e seu famoso blog com mapa de ocorrências. [caption id="attachment_8937" align="alignleft" width="225"] Rafael Salerno com alguns cães durante manejo de javali no país.[/caption] Após muita luta junto às autoridades, conseguimos a regulamentação nacional somente em 2013, lembrando que nos estados do Sul do Brasil, a espécie é encontrada desde a década de 60 e foram feitas as primeiras regulamentações de abate pelo menos uma década antes. Então, os órgãos foram incompetentes em evitar essa expansão, primeiro ao liberarem criatórios comerciais ainda na década de 90, e depois ao retardar a regulamentação de controle. A Rede “Aqui Tem Javali” tomou os moldes de movimento social para evitar as represálias de órgãos como o IBAMA e Exército. Naqueles anos de governo do PT, fui pessoalmente perseguido e sofri 5 autuações do IBAMA e uma junto ao Exército. Ambos os órgãos até hoje estão corrompidos e aparelhados com servidores que fazem de tudo para proteger essa praga que tanto mal causa à agricultura, e principalmente ao meio ambiente. A Associação Nacional de Caçadores Aqui Tem Javali vem agora passando alguns anos de governo de direita para fortalecer essa voz em defesa do Meio Ambiente e do Agronegócio, uma vez que apesar de tantos entraves, conseguimos expandir consideravelmente o número de praticantes dessa atividade no Brasil. Fale um pouco sobre os objetivos da Associação Nacional de Caçadores. O que ela almeja? Nossas bandeiras são muito claras e foram estabelecidas com nossa comunidade faz alguns anos e consistem apenas de três objetivos, que são: (1) A desregulamentação de espécies exóticas invasoras como javalis, lebres, pombas, pardais e búfalos. (2) A regulamentação do manejo sustentável de espécies silvestres, esteja ela em conflito com a agricultura, como pombas, marrecas, catetos, queixadas e capivaras, ou que possam ser manejadas como recursos, o que inclui as perdizes, jacus, o mocó, pacas, tatus e outros, e por fim, (3) o acesso facilitado às armas de fogo no meio rural, pois entendemos que não faz muito sentido exigir o mesmo processo para um cidadão urbano ter uma Glock em seu comércio com centenas de clientes, e o produtor ou trabalhador rural para ter um revólver ou cartucheira, se está sozinho com sua família, muitas vezes a mais de uma hora da guarnição policial mais próxima, e à mais horas ainda de um clube de tiro ou unidade da Polícia Federal. Você possui armas com calibres restritos? Se sim, quais? Possuo, mas por questões de segurança, me reservo o direito de não informar quais. Você caça o javali com armas de calibres restrito? Qual a arma de calibre restrito você mais utiliza e por quê? Minha forma preferida de caça é a batida com uso de cães de rastro, em especial, com cães da raça Foxhound Americano, porque o uso de espingardas não importa, se é de um cano ou uma semiauto importada, é muito efetivo. Muitas vezes é necessário entrar no mato em situação onde o javali está acuado e nessas horas um revólver de calibre 44MAG, a meu ver, acaba sendo o ideal. Nas oportunidades que tive de caçar no exterior com equipamentos de visão noturna, ou mesmo na aproximação em campo aberto é extremamente necessário um fuzil para que o tiro seja preciso e ao mesmo tempo potente à distâncias que podem ultrapassar os 100m. O plenário virtual do STF proibiu a aquisição de novas armas de calibres restritos no país no dia 20 de setembro de 2022. Na sua opinião, qual o impacto que esta decisão terá para o manejo do javali no país? Olha só, para a gente ter uma ideia, quando houve a primeira regulamentação de armas para o controle de javalis junto ao Exército, basicamente só eram permitidas armas de calibre restrito! Se exigia naquela época energia igual ou superior ao calibre .357MAG então restrito, e depois, conseguimos no governo atual a desregulamentação que ajudou os produtores a utilizarem armas já do então acervo SINARM, como as carabinas nos calibres 38SPL e 44-40, ou mesmo em calibre 22LR, e pistolas que podem acabar sendo úteis na caça de espera, com cães, ou mesmo quando é feita a captura legalizada por armadilhas. Hoje, uma das formas mais efetivas em número de animais abatidos são as caçadas noturnas em caminhonetes com o uso de fuzis. É muito efetivo, porque se encontram muitos animais e tudo é muito rápido, dessa maneira, a precisão e energia do calibre passa a ser crucial para ter resultado ainda mais que certos acessórios como visão noturna e supressores ainda não são regulamentados de forma adequada em nosso país. Para resumir, essa restrição já está atrapalhando de 20 a 40% dos abates no Brasil. Se você deixar de 2 a 4 animais sem abater num bando de 10, na próxima parição em menos de 4 meses, você terá de 20 a 40 animais a campo tornando a atividade do controle inviável. Essa diferença certamente vai chegar no bolso dos produtores, e mesmo dos consumidores, já na próxima safra. Acredita que esta decisão do STF permanecerá em vigência no país por muito tempo? Tendo em vista os processos de aquisição na indústria nacional e até importação, mesmo se voltasse hoje as aquisições, os danos ainda serão sentidos por meses. Foi uma medida completamente irresponsável do ponto de vista econômico e social. Não sou jurista, mas ouvimos alguns que dizem que a reversão dessa medida poderia depender do legislativo se arrastando por mais de ano... OS JAVALIS TERÃO MUITO A AGRADECER AO NOSSO JUDICIÁRIO! O manejador que já possui estas armas registradas, incialmente não terá problema. Mas futuramente, estes equipamentos poderão trazer grandes complicações para este profissional, pois permanecendo a proibição da Corte, o manejador não conseguirá renovar as permissões destas armas nem vendê-las. O que o caçador poderá fazer neste cenário com estas armas? As eleições legislativas foram supostamente muito favoráveis para nós CACs, vamos descobrir em breve se as “arminhas” e as frases “em defesa do agro” eram de verdade ou apenas mais promessas de campanha em busca de votos, como foi o legislativo passado. Quem estava em processo de compra ou mesmo quem já possui armas em calibre restrito, já está passando por vários prejuízos e constrangimentos. Só o tempo dirá como de fato vai ficar essa questão, por enquanto não há muito o que fazer além de aguardar e pressionar seus parlamentares eleitos. A decisão da Corte, apesar de não afetar inicialmente o manejador que já possui estas armas de calibre restrito, impacta totalmente àquele caçador que está iniciando no manejo e deseja comprar uma arma mais efetiva com este requisito. Sem poder ter uma arma de calibre restrito, fica complicado o manejo do javali com mais eficácia. Acredita que esta proibição vai diminuir o interesse dos caçadores pelo ofício? Nosso país já pratica o absurdo de exigir 25 anos para adquirir uma arma de fogo, enquanto nossa maioridade penal é de 18 anos, e a escolha do presidente da nação pode ser feita com 16 anos incompletos! Na Espanha, podem adquirir um fuzil aos 18 anos e iniciar na caça com arma de fogo a partir dos 16 anos, com arma cedida por um maior de idade. Nos EUA, hoje é incentivada a prática da caça regulamentada com arma de fogo por jovens, a partir, pelo menos, dos 12 anos de idade. Vale lembrar que nos países desenvolvidos há um envelhecimento e perda de números de caçadores até pela baixa taxa de natalidade e alta urbanização. No Brasil, como podemos esperar que um jovem de 25 anos após frequentar faculdade, baladas, vá se identificar e abandonar o conforto da cidade para se dedicar ao sofrimento de uma caçada? Lógico que teremos alguns heróis, mas não teremos o contingente necessário nas dimensões dos desafios que estão sendo criados por essa espécie nas nossas condições. Precisamos com urgência implantar sistemas de incentivo para os caçadores que vão desde a desburocratização, redução tributária até, eventualmente, a contratação de caçadores para controle em áreas públicas e privadas. Como se abater o javali em distâncias maiores sem poder adquirir uma arma de calibre restrito com o alcance efetivo? Não se abate, muda-se a forma de caçar, ou simplesmente não se caça. A atividade não suporta muito improviso. Você entraria num brejo ou canavial atrás de um javali ferido com apenas uma 38 na mão? Na falta da arma de calibre restrito para fazer o abate em distâncias maiores, qual arma você indica? Se a arma/calibre não está na condição ideal de abate, sugiro simplesmente não atirar ou não caçar nessas condições. Nada insulta mais um caçador do que ver sua presa ir embora ferida, ainda que seja considerada uma praga.