Qual o futuro das armas no Brasil?

A pauta de armas é a principal bandeira do presidente, Jair Messias Bolsonaro (Partido Liberal – PL). Durante todo a campanha presidencial em 2018, ficou marcante o gesto de arma feito com as mãos pelo mandatário do país, assim como as promessas de uma nova legislação a respeito do tema que ampliasse os direitos dos cidadãos, caso eleito. Desde que assumiu o governo federal, em 1º de janeiro de 2019, Bolsonaro tem trabalhado para cumprir esta promessa de campanha. Neste período, o presidente publicou 11 decretos a favor do assunto; destes, oito estão vigorando com restrições e três foram completamente revogados. PL 3723 Para tentar solidificar ainda mais a pauta, o governo federal enviou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3723/19 em junho de 2019, com caráter de urgência constitucional. O texto original deste projeto de lei era abrangente sobre o assunto armas de fogo, mas perdeu a urgência constitucional, foi bastante modificado na Casa e se tornou uma ‘espécie’ de Estatuto dos CAC’s antes de ser aprovado com 283 votos favoráveis e 140 contrários, com restrições, no dia 5 de novembro de 2019 e enviado ao Senado Federal no início de dezembro. Paralisado no Senado há cerca de dois anos, enfim o PL teve movimentação. No dia 30 de novembro de 2021, o relator do texto, senador Marcos do Val (Podemos - ES), entregou o parecer do 3723 à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), primeira etapa para sua análise no Senado. A ideia era, por causa da urgência do tema, deliberar imediatamente sobre o texto e levá-lo logo ao plenário, a fim de que se transformasse em lei ainda no ano em curso. Para isso, segundo uma fonte ouvida pela Revista Shooters, o relator fez um acordo entre líderes, prevendo a votação final já no dia 08 de dezembro, mesmo dia de análise na CCJ. Durante a sessão da CCJ, o senador Davi Alcolumbre (Democratas - AP), que a presidiu, tentou dar andamento ao acordo e levar o PL 3723/19 logo à deliberação, o que se daria em votação como pauta extra. Porém, a senadora de esquerda (Eliziane Gama – Cidadania – MA) alegou que havia um pedido de audiência pública sobre o texto formulado em março de 2020 e já aprovado na comissão. Sem votos suficientes para reverter o pedido, diante da ausência de muitos senadores que, em tese, são favoráveis ao projeto, restou ao relator, senador Marcos do Val, aceitar a realização da audiência, designada para a terça-feira (14), às 10h. A audiência pública foi realizada com participação do presidente do Pró Armas, Marcos Pollon, e do atirador, Thyago Almeida, que se manifestaram em defesa do PL. Aprovado na audiência pública, o texto foi levado a CCJ na manhã da quarta-feira (15), mas devido a pedidos de vistas coletivas por senadores de esquerda, o PL não passou pela CCJ e não foi a votação em plenário. Com o recesso do Congresso de 23 de dezembro de 2021 a 1º de fevereiro de 2022, o PL seguirá parado no Senado a espera de ser pautado. PERIGO DE DERRUBADA DOS DECRETOS DE ARMAS NO STF Com a não aprovação do PL 3723/19 no Senado Federal, os direitos em relação à pauta de armas no país, regulados por meio de decretos, estão em perigo. Isso porque existem ações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando se os decretos editados pelo governo federal avançaram sobre a competência do Congresso Nacional (Legislativo – Câmara dos Deputados e Senado Federal). [caption id="attachment_4147" align="alignleft" width="300"] Jurista, Fabricio Rebelo destaca que presidente do STF pode derrubar decretos de armas no recesso do judiciário. (Foto: Arquivo Pessoal)[/caption] Para entender melhor o que pode acontecer em relação aos direitos dos CAC’s, a Revista SHOOTERS conversou com o pesquisador em segurança pública, jurista, atirador, autor do livro “Articulando em Segurança: Contrapontos ao Desarmamento Civil” e coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Fabricio Rebelo. QUAIS AÇÕES QUE PODEM DERRUBAR OS DECRETOS DE ARMAS ESTÃO SENDO JULGADAS NO STF? QUAIS PARTIDOS ENTRARAM COM ESTAS AÇÕES? Há um bloco de ações questionando os decretos, movidas por partidos de esquerda (PT, PSB, Rede e Psol), em associação com algumas ONGs historicamente defensoras do desarmamento. São Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que, basicamente, questionam tudo que o Poder Executivo já promoveu quanto à regulamentação das armas de fogo no Brasil. Da alíquota de importação à definição de calibres, passando pelos requisitos para se comprar uma arma e as quantidades de munição que se pode adquirir, tudo é questionado no STF. ESTAS AÇÕES PODEM SER JULGADAS AGORA NO RECESSO DO JUDICIÁRIO QUE SERÁ ENTRE OS DIAS 20 DE DEZEMBRO (2021) A 6 DE JANEIRO (2022)? Não quanto ao seu mérito, mas pode haver o deferimento de liminares. A questão é que, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que reúnem a quase totalidade das impugnações, a lei não permite que o Relator, monocraticamente, possa deferir uma liminar, exigindo que isso seja feito exclusivamente pelo plenário, por voto da maioria absoluta dos ministros e em sessão com a presença de, no mínimo, oito deles. Enquanto não há essa decisão colegiada, nada pode ser suspenso. No entanto, essa regra tem uma exceção, que é justamente o período do recesso. Nesse período, as questões urgentes, no que se inserem as liminares, são decididas pelo Presidente do Supremo, e há, hoje, ao menos três pedidos de liminares pendentes de apreciação, frutos de manobras jurídicas dos partidos autores. São essas liminares que poderão ser deferidas agora, sem a necessidade de uma sessão para isso. Se acontecer, grande parte da regulamentação poderá ser suspensa. NO RECESSO DO JUDICIÁRIO, NORMALMENTE FICA APENAS O PRESIDENTE DO STF PARA DESPACHAR DEMANDAS URGENTES. ATUALMENTE, O PRESIDENTE DESTA CASA É O MINISTRO LUIZ FUX. COMO ESTE MINISTRO PODE ADOTAR TAL DECISÃO? A regra é que essas decisões fiquem a cargo do Presidente, inclusive como prevê o Regimento Interno do próprio Supremo Tribunal. No entanto, já tem sido praxe o Presidente delegar parte dessa função à Vice-Presidência, que tem como uma de suas atribuições substituí-lo nas ausências eventuais. Então, nesse período, são os ministros que ocupam esses cargos que decidem tudo de urgência. É uma função já prevista legalmente para ser exercida assim. Infelizmente, se isso de fato ocorrer, a perspectiva é péssima. O Ministro Fux tem histórico de declarações fortemente desarmamentistas e a Ministra Rosa Weber, atual Vice-Presidente, é relatora de uma das ações que impugnam os decretos, na qual, inclusive, chegou a, mesmo sem previsão legal que a autorizasse a fazer isso, antecipar uma liminar para suspender parte de seus termos, o que só não ocorreu por completo porque o plenário ainda não referendou a medida. Vindo de um ou de outro, a expectativa é de que as normas sejam mesmo suspensas. EXISTE ALGO A SER FEITO PARA IMPEDIR ESTA POSSÍVEL DECISÃO DO STF? Processualmente, não. É uma regra legal, não há como evitar que os Ministros exerçam as funções que lhe são atribuídas. O remédio seria, justamente, o PL 3723, que esvaziaria as impugnações, mas que acabou não sendo aprovado a tempo. Lamenta-se, apenas, que as decisões até agora proferidas sigam se pautando numa narrativa desarmamentista absolutamente falsa, que esconde os dados reais e cria até mesmo absurdos matemáticos para iludir os julgadores. Não tenho dúvida de que, se qualquer um deles se dedicasse honestamente à pesquisa sobre o tema, perceberia que não há nenhum fundamento técnico ou científico que permita acreditar nas fantasias antiarmas que foram usadas nas ações que estão na Suprema Corte. DECRETOS Com a aproximação das eleições presidenciais de 2022 e caso os decretos não sejam derrubados pelo STF no recesso do judiciário, fica a pergunta: Se o presidente, Jair Messias Bolsonaro, não for reeleito e um Projeto de Lei não for aprovado pelo Legislativo e sancionado, os CAC’s poderão perder direitos que possuem atualmente? A resposta para esta pergunta é sim. Como vimos acima, os avanços obtidos desde 2019 se deram por meio de decretos presidenciais e podem ser alterados por qualquer presidente que for eleito, e que seja contrário à pauta. CONFIRA DECLARAÇÕES DE PROVÁVEIS CANDIDATOS AO PLEITO CONTRÁRIO AO TEMA São públicas as declarações dos prováveis candidatos às eleições presidenciais em 2022, contrárias ao acesso ao armamento pela população brasileira. Mesmo após o assunto já ter sido discutido no Referendo de 2005, ocasião em que foi perguntado à sociedade se queria a proibição do comércio legal de armas de fogo e munição para os civis, proposta esta que foi rejeitada por 63,94% dos votos, estes políticos continuam em lado oposto da decisão. Estas declarações são indícios de que, se algum destes for eleito, poderá mudar ou revogar os decretos que estão vigorando. Sergio Moro A primeira declaração da lista é do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sergio Moro, que recentemente se filiou ao Podemos. Em entrevista à Globonews, no dia 5 de julho de 2020, Sergio Moro disse: “Talvez eu pudesse ter me insurgido mais”, em relação aos decretos que facilitaram a posse de arma. Luiz Inácio Lula da Silva Outro personagem conhecido no mundo político que é declarado contra a pauta de armas é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT). Em entrevista à TV 247, no dia 24 de fevereiro de 2021, Lula disse que “se o PT voltar ao governo, as pessoas vão devolver essas armas”, e completou: “Nós aprovamos o Estatuto do Desarmamento. Veja a diferença entre eu e o Bolsonaro. Ele não quer dar arma para o favelado nem para o trabalhador, ele quer dar arma para os milicianos”. João Doria Quem também deve participar das eleições em 2022 para o cargo de presidente é o atual governador de São Paulo, João Doria (PSDB). No dia 15 de abril de 2019, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, Doria faz a seguinte declaração: “Eu não sou a favor de que cada família possa comprar quatro armas. A solução para a boa segurança pública no país não é armar a população”. Guilherme Boulos As propostas em relação ao acesso às armas de fogo por Guilherme Boulos (PSOL) também são conhecidas. Em uma postagem no perfil dele no Twitter no dia 25 de fevereiro de 2021, o político disse: “Armas aumentam a violência”. Esta foi a legenda de um vídeo explicando por que ele é contra o direito de acesso às armas pelo cidadão. Em entrevista ao Twitter Brasil em 10 de abril de 2018, Boulos também foi enfático: “Acreditar que armar a população vai reduzir a violência é a mesma coisa que querer distribuir cachaça para acabar com o alcoolismo”. Ciro Gomes Outro político que é declarado contra o direito de acesso às armas pelos civis é Ciro Gomes (PDT). Em várias oportunidades, o político deixou claro o posicionamento: “...não facilitarei a posse de arma para ninguém porque eu sou amante da paz e quero nosso povo protegido”, disse em entrevista ao Twitter Brasil, em 26 de setembro de 2017. Marina Silva A ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, Marina Silva (Rede) também é contrária ao tema. Se concorrer e for eleita, pode restringir os direitos dos CAC’s. Em entrevista à Gazeta do Povo no dia 17 de maio de 2018, Marina ressalta: “Não se resolve problema de segurança distribuindo arma para a população. Isso é uma insanidade. Aliás, vai ficar muito mais inseguro”. A lei de armas 10.826 de 22 de dezembro de 2003, leva a assinatura da ex-ministra do Meio Ambiente. PARLAMENTARES UNIDOS PELA CAUSA Quem concorda que os CAC’s podem perder direitos adquiridos em decretos se o presidente, Jair Messias Bolsonaro, não for reeleito é a deputada federal, Alê Silva (PSL-MG). [caption id="attachment_4143" align="alignleft" width="300"] Alê Silva destaca que todos os pré-candidatos citados são desarmamentistas e evidentemente vão trabalhar contra as pautas do governo que são armamentistas. (Foto: Michel Jesus - Câmara dos Deputados)[/caption] “Se for eleito um presidente da República que não tenha as mesmas ideologias, que não defenda um Estatuto do Armamento como defendemos, uma legislação própria para os atiradores (CAC’s) como o presidente Bolsonaro defende, poderá sim revogar os atuais decretos que regulamentam a legislação (10.826/03) e sim, estes profissionais podem perder estes direitos que foram conquistados”, aponta a deputada. Ela critica os pré-candidatos à presidência e destaca ainda que deve ser formada uma base de apoio para o presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. “...todos os pré-candidatos citados são desarmamentistas e evidentemente vão trabalhar contra as nossas pautas que são armamentistas. Outro ponto muito importante de falarmos é o seguinte: os armamentistas têm que eleger ou reeleger aqueles que defendem suas pautas, não somente os deputados, mas também os senadores. Para presidente da república, só temos o Jair Messias Bolsonaro defendendo os nossos direitos de termos uma arma para defesa e tiro esportivo. Além dele, temos que eleger uma base na Câmara e Senado, pois temos uma série de proposituras nestas duas Casas que estão paradas aguardando uma força maior do Parlamento para tocarmos adiante e flexibilizarmos ainda mais. Observem os candidatos, observem quem já trabalhou em defesa dos interesses dos CAC’s. Continuem neste trabalho dando força para a causa. Não basta só o presidente, a competência dele é limitada, quem realmente comanda a legislação deste país é o Congresso Nacional, formado por deputado e senadores. Precisamos de união”, pontua. Outro parlamentar defensor do acesso às armas pela população brasileira é o deputado federal, eleito pelo estado do Paraná, Sargento Fahur (PSD). [caption id="attachment_4145" align="alignright" width="300"] Deputado destaca que na história recente do Brasil, nunca houve um presidente que defendeu os direitos de seu povo tal qual Jair Bolsonaro defendeu e defende. (Foto: Acervo Pessoal)[/caption] “Não tenho nenhuma dúvida de que em uma eventual derrota do Presidente Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022, os CAC’s perderão direitos, isso é fato. A quantidade desses direitos que serão perdidos vai depender de qual candidato for eleito, pois dependendo do nome, haverá maior ou menor perda. Mas como já afirmei, essas perdas acontecerão inevitavelmente com uma não reeleição de Jair Bolsonaro. O que me tranquiliza um pouco é que não acredito na derrota de Bolsonaro, mas para que isso não aconteça, é preciso um forte engajamento dos defensores do sagrado direito de que o povo possa ter a posse e o porte de armas. Defensores desse seguimento têm que mostrar a sua cara e lutar pela reeleição daquele que melhorou em muito a legislação das armas no Brasil. O presidente Bolsonaro só não fez ainda mais, porque aconteceram alguns questionamentos da esquerda que acabaram no STF e naquela corte houve alguns retrocessos no que era proposto. Entre os pré-candidatos que mais me assustam no sentido de termos perdas na legislação das armas são Lula e Boulos, embora os outros também me causem pavor. O risco de perdermos direitos conquistados com muita luta é iminente em caso de derrota nas urnas do atual presidente”, enfatiza o deputado. O parlamentar lembra ainda o que foi decidido no Referendo e reforça o interesse do presidente na pauta das armas. “ Meu recado ao povo brasileiro, em especial aos CAC’s, é que reflitam bastante sobre as melhorias conquistadas em relação ao sagrado direito de se ter uma arma, observando sempre que em 2005, 64% do povo brasileiro votou em manter o comércio legal de armas de fogo e munições para civis no país (acredito que na atualidade esse número é ainda maior). Na história recente do Brasil, nunca houve um presidente que defendeu os direitos de seu povo tal qual Jair Bolsonaro defendeu e defende, ao ponto de dizer: um povo armado jamais será escravizado. Não permitam que pessoas descompromissadas com sua segurança ditem as regras e proíbam você de defender sua própria vida e a vida daqueles que lhe são caros”, finaliza. A Revista SHOOTERS produziu esta reportagem até o dia 15 de dezembro de 2021 e fechou esta edição nesta data.